E. F. Central
do Brasil/
RFFSA (1948-1996)
Bitola: métrica
A estação
de Montes Claros, em 2003, de onde partia o trem até 1996
(Foto Pedro Paulo Resende). Abaixo, a estação original
de Monte Azul, depois substituída por outra, de estilo mais
moderno, ponto final do Trem do Sertão e de ligação
com os trens da V. F. F. Leste Brasileiro com destino a Salvador
(Acervo Jorge A. Ferreira)
Abaixo, horário do Trem do Sertão, quando ainda partia
de Belo Horizonte, em 1978. O trecho BH-Montes Claros foi desativado
pouco tempo depois. (Guia Levi, março de 1978)
O
Veja também:
Linha
do Centro - Minas Gerais
Contato
com o autor
Página inicial
Nota: As informações contidas nesta
página foram coletadas em fontes diversas, mas principalmente
por entrevistas e relatórios de pessoas que viveram a época.
Portanto é possível que existam informações
contraditórias e mesmo errôneas, porém muitas
vezes a verdade depende da época em que foi relatada. A ferrovia
em seus 150 anos de existência no Brasil se alterava constantemente,
o mesmo acontecendo com horários, composições
e trajetos (o autor).
|
Trem de passageiros que partia de Belo
Horizonte para a cidade de Monte Azul, na extremidade da lendária
Linha do Centro, da Central do Brasil. Ali os passageiros baldeavam
para a linha da antiga V. F. F. Leste Brasileiro, e seguiam por ela
até Salvador. O trem do sertão, com o tempo e a decadência
da ferrovia, foi diminuindo cada vez mais seu percurso, até
que, nos últimos anos, se resumia ao trecho entre Montes Claros
e Monte Azul, uma das regiões mais pobres do Estado de Minas
Gerais. Era esse trem que movimentava a economia das pequenas cidades
pelas quais passava. Com a privatização, ele foi extinto,
em maio de 1996. Um verdadeiro crime a extinção desse
trem quando ainda havia passageiros lotando as composições,
movimentando a frágil economia da região. Em 1992, ele
ainda partia de Belo Horizonte e passava por Sete Lagoas. Veja
video aqui
|
Origem
da linha:
A linha do Centro, da antiga Central do Brasil, foi inaugurada em trechos,
desde o longínquo ano de 1858, quando foi aberto o primeiro trecho
na cidade do Rio de Janeiro, até 1948, quando a linha chegou
a Monte Azul, no sertão mineiro, próximo à divisa
com a Bahia, num percurso de mais de mil quilômetros. A partir
de Itabirito, a linha passava de bitola larga para a métrica.
O trecho por onde passava o trem do sertão remanescente, ou seja,
o que existia quando foi suprimido em 1996, Montes Claros-Monte Azul,
foi aberto ao tráfego em pequenos trechos entre os anos de 1942
e de 1948, quando chegou até o seu ponto máximo, encontrando
a linha da Viação Férrea Federal do Leste Brasileiro.
A linha do Centro existe até hoje com o tráfego apenas
de trens cargueiros, com exceção da parte próxima
ao Rio de Janeiro, por onde trafegam trens metropolitanos de passageiros.
|
Comentários:
"Andei no Trem do Sertão em 1971. Chegou a Monte Azul de madrugada,
e todos tinham que desembarcar para a plataforma, com malas e trouxas,
para aguardar o trem que vinha da Bahia. Chegou no outro dia, no meio
da tarde" (Flavio Cavalcanti, 2006). Nesse tempo, o trem
ainda era parte do trem baiano, ou seja, uma viagem que exigia baldeações
desde São Paulo até Salvador, devido a bitolas e superintendências
regionais da RFFSA diferentes por todo o percurso. A partir dos anos
1980, passou a ser apenas o Trem do Sertão, apenas ligando
Montes Claros a Monte Azul, indo e voltando. A baldeação
em Monte Azul acabou em 1978, pois o trem para Salvador parou nesse
ano. Segundo Tarcísio de Souza, em 1995, o Trem do Sertão
era composto por 8 carros: 1 bagageiro com cabine para o chefe do
trem, 4 carros de segunda classe e dois de primeira, completamente
lotados. A tração era feita pela locomotiva nº 4058. Segundo informações
colhidas com o agente da estação
de Janaúba, na época, Sr. Jorge Luiz, os trens
de
Acima, O trem MO-02, vindo de Monte
Azul, MG, com destino a Montes Claros, chegando à estação de Janaúba,
fotografado ainda em movimento. Abaixo, a imponente locomotiva nº
4058 tracionando o trem de passageiros MO-02, parado na estação de
Janaúba, MG. Minutos depois partiria com destino a Montes Claros,
MG. No interior da estação, o intenso movimento de passageiros (Fotos
Tarcisio de Souza).
passageiros que circulavam entre Montes Claros
e Monte Azul tinham em 1995 o seguinte horário: Terças e Quintas:
partida de Montes Claros às 7h00, chegada a Monte Azul às 13h20; Quartas
e Sextas: partida de Monte Azul às 7h15, chegada a Montes Claros às
13h30.
"No início
dos anos 1970 fiz o trecho Belo Horizonte-Brumado, BA, na verdade
foram 2 trens, com baldeação em Monte Azul, MG. Chegamos ali altas
horas da noite, o gado humano (inclusive crianças e velhinhas) desembarcou
com as respectivas trouxas e se amontoou na plataforma durante toda
a madrugada (gelada) e também ao longo da manhã seguinte (com o sol
esquentando rapidamente). Não lembro se havia sombra suficiente para
todos, ou talvez sombra nenhuma. A certa altura, soubemos que o trem
ainda ia demorar muito, e aproveitamos para dar uma volta pela cidade,
inclusive encontrar uma pensão onde pudéssemos tomar banho mediante
modesta remuneração. Constatamos que, pelo simples fato de Monte Azul
estar fora do eixo de densidade de trânsito (a BR-116, a uns 180 km
dali), a mentalidade local estava, como que uns 10 anos atrasada em
relação ao resto do Brasil e da própria região da BR. O gado humano
que baldeava ali não trazia grande "atualização" aos moradores locais.
O trem baiano chegou só no outro dia, tipo 13 horas (não tenho certeza)"
(Flávio Cavalcanti, 15/10/2007).
Acima, a estação de Janaúba, momentos
antes da chegada do trem de passageiros, em abril de 1995, vindo de
Monte Azul com destino a Montes Claros. Mais de 60 pessoas aguardavam
a chegada do trem. Observe as linhas modernas do prédio da estação
e, na plataforma, caixas de doces para embarque (Fotos Tarcisio de
Souza).
"Era
o trem que levava até Pai Pedro, para a
feira dos domingos, a
freguesia da produção de Joel - os vizinhos da linha.
A feira (de Pai Pedro)
era uma festa.
E o mais gostoso dela, os biscoitos de araruta de Tocandira. Aliás,
Tocandira vivia dos biscoitos. Os homens plantavam a araruta, as mulheres
suavam no forno e as velhas e crianças vendiam aos passageiros
pela janela nas paradas de um minuto - religiosamente. E o progresso
foi tanto que um tocandirense ilustre, como José Maria Sousa,
chegou a ser o maior tomador de empréstimo no Banco do Brasil
de Porteirinha. Até 1989, Zé Maria colhia de 7 a 8 mil
arrobas de algodão por ano. 'Fui um dos primeiros daqui a ter
antena parabólica e consegui formar quatro filhos, hoje doutores
em Janaúba". O quinto vai ser mais difícil. Zé
Maria vendeu dois tratores, uma caminhonete e onze reses para pagar
o Banco do Brasil - que já desistiu de receber o resto. O fim
da linha em 1996 complicou muito a vida em Tocandira. Afinal, entre
o apito da chegada e o da partida, o trem deixava
pelo menos cem reais no distrito. O próprio
armazém que Zé Maria abriu
recentemente, numa tentativa de mudar de
ramo e superar o baque, não
vai lá muito bem das pernas. Nas
prateleiras
Vendedores
na estação de Tocandira e o Trem do Sertão, em
1996, em uma de suas últimas viagens (Foto Gazeta Mercantil,
03/09/1998).
de ripa, os vazios são maiores
do que os espaços enfeitados pela meia dúzia de pacotes
de bolacha, maços de cigarro Plaza, pacotes amarelos de fósforo,
latas de óleo de soja e umas garrafas de dois litros de refigerante.
'Tirar o trem foi tomar pão da boca de criança com fome',
diz Zé Maria. Exatamente. Pesquisa da Pastoral do Menor apurou
que todas as crianças de lá estão subnutridas.
Todas. E formam, em rodas de suas mães e avós, maioria
da população restante. Quase todos os homens resolveram
trocar a miséria sertaneja pelos cafezais do Sul de Minas,
pelos canaviais paulistas ou pelas favelas paulistanas. Os velhos
se apressam em abandonar o planeta - basta ver as datas nas cruzes
do pequeno cemitério do distrito - e 'menina mal espera completar
15 anos para ir embora'. De trem, não se partia tanto."
(O trem bom passa direto, Gazeta Mercantil, 3/9/1998)
|