E-mail descrevendo a péssima situação
da estação de Araguari ao Ministério Público (2010)
De: Glaucio Henrique Chaves
Assunto: Destruição do Pátio da EFG...
Para: (Ministério Público e IPHAN)
Data: Quinta-feira, 22 de Julho de 2010, 16:37
Prezados srs. Promotores,
Desde 2009 (conforme documentos em anexo) venho recorrendo ao auxílio das promotorias
nas instâncias locais, estaduais e agora também recorrerei às federais no que
se refere à destruição dos bens tombados (municipal e estadualmente) da Estrada
de Ferro Goyaz, em Araguari-MG. Afinal tenho muita paciência e esperança de
que esse assunto seja resolvido de forma favorável aos interesses coletivos.
Se os bens são tombados é porque devem ser protegidos e conservados de acordo
com critérios estabelecidos em lei e não de acordo com a vontade de particulares.
Entretanto, temos encontrado muitas dificuldades em convencer as autoridades
locais de que a lei precisa ser cumprida. Nesse meio tempo, o referido bem tombado,
que deveria ser protegido, já sofreu enormes prejuízos, furtos e degradações
irreparáveis, conforme fotografias em anexo. Os responsáveis por essas perdas
devem punidos. As autoridades também devem ser alertadas que poderão incorrer
no crime de prevaricação. Em fevereiro de 2009, a recém-empossada administração
municipal começou a fazer obras e descaracterizações dentro do complexo da Estrada
de Ferro Goyaz. A mais grave, ao meu entender, foi a terraplenagem parcial do
pátio e soterramento de alguns trilhos para a abertura de uma avenida (linha
verde do Mapa do Pátio da EFG, em anexo).Os responsáveis foram devidamente alertados
pelo Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e mesmo por funcionários da
própria prefeitura, mas a destruição continuou. Essa falta de diálogo e a inobservância
da lei motivou nossa correspondência eletrônica enviada no dia 17 de fevereiro
de 2009 (em anexo), alertando o sr. Promotor Estadual do Patrimônio Cultural
e Turístico de Minas Gerais, Marcos Paulo de Souza Miranda, que a Prefeitura
de Araguari, por obra do Sr. Silvio Póvoa, Secretário de Municipal de Obras,
que o pátio da referida ferrovia, tombado por dois Conselhos, estava sendo aterrado
para a abertura de uma avenida, sem aprovação. De acordo com a folha 061 do
Dossiê de Tombamento do IEPHA-MG para a área em questão, Item 4 - Diretrizes
para Intervenções no Conjunto Paisagístico e Arquitetônico, Parágrafo 3, é suficientemente
claro quando diz que "Arruamentos internos e estacionamentos deverão ser evitados
no espaço do conjunto, impedindo assim que o conflito entre pedestres e veículos
se instale, e que causa prejuízos enormes para todos. Os deslocamentos na área
interna do conjunto deverão sempre se dar por pedestrianismo. Assim, um caminhar
tranqüilo e sem transtornos favorecerá a devida apropriação da área por todos
aqueles que queiram usufrui-la."Após a referida correspondência ao Sr. Promotor,
mostrando os graves problemas, as obras foram paralizadas, o que nos causou
alívio. A avenida não foi aberta. Porém, um ano depois, nos parece que o mesmo
Secretário de Obras se esqueceu de tudo e, aliado à Câmara Municipal e outros
envolvidos, procederam a abertura de uma rua, destruindo completamente a sintonia
do Pátio Ferroviário. A linha-tronco da EFG foi soterrada ao mesmo tempo em
completava cem anos de existência, para a abertura de uma rua desnecessária.
O pátio foi fracionado, o que trouxe grandes transtornos para a vigilância,
conforme veremos. Trilhos, rodeiros e outros materiais da ferrovia estão sendo
sistematicamente furtados, conforme boletins de ocorrência que pude verificar
com o único funcionário que faz a guarda de um pátio imenso.Apesar dos avisos,
incluindo uma correspondência eletrônica minha enviada ao sr. Promotor Estadual
do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais, Marcos Paulo de Souza Miranda,
no dia 09 de fevereiro de 2010 que pretendiam abrir a rua, (em anexo) nada adiantou.
A rua foi aberta (linha amarela do Mapa do Pátio da EFG, em anexo), o que facilita
qualquer pessoa parar um caminhão e enchê-lo do que entendem ser "sucatas" e
ir embora, fato que já aconteceu. É um prejuízo à nossa memória e tenho certeza
que as gerações futuras condenarão essa perda. A abertura dessa rua já foi,
vergonhosamente, objeto de um artigo da revista especializada de arquitetura
Vitruvius. Quando o artigo foi escrito a situação já era grave, mas não com
a dimensão que está atualmente. Dizem que a abertura foi autorizada pelo IEPHA-MG,
o que eu acho muito difícil. Se o IEPHA-MG autorizou, também deve ser responsabilizado.
Porém, mesmo que houvesse essa autorização, ainda assim dependia da autorização
do Conselho Municipal, fato que jamais aconteceu. Aos finais de semana, quando
não há vigilância alguma, é que os furtos acontecem com maior frequência. Domingo
passado foi furtado mais um rodeiro ferroviário de um dos troles. O trole foi
incendiado e dele pouca coisa restou.Agora que o pátio foi aberto, a população
começou a jogar lixos, entulhos, animais mortos. Os incêndios também passaram
a ser freqüentes, um problema que além de destruir o patrimônio histórico, também
ameaça as residências da vizinhança. Algumas pessoas também passaram a utilizar
dos vagões como esconderijo para sexo e uso de drogas, como atestam a grande
quantidade de camisinhas e de latinhas usadas como cachimbo de "crack". Tudo
isso não havia antes da abertura da rua. A degradação vem cada vez mais acelerada.
Os trilhos da Estrada de Ferro Goyaz jamais poderiam ser aterrados. O leito
por onde eles passam é considerado sagrado para boa parte da população da cidade,
que é feita de ferroviários e familiares de ferroviários. Não existe patrimônio
cultural em Araguari maior do que a presença dos trilhos. Os aposentados permanecem
distantes de tudo, tristes com esse descaso. Preferem se lembrar da época em
que os trilhos eram motivo de orgulho e que Araguari era uma cidade promissora.Alertamos
as autoridades e ao IEPHA do perigo da abertura da rua. Conforme fotos em anexo,
comprovamos que várias linhas foram destruídas com a abertura dela. O Conselho
Deliberativo do Patrimônio Histórico de Araguari jamais foi ouvido sobre isso.
Reafirmo que não houve aprovação local alguma para esta abertura.Diz o IEPHA-MG,
no referido Dossiê de Tombamento, que "um espaço tão generoso no centro de Araguari
tende a sofrer pressões urbanísticas para atender a demandas diversas (trânsito,
imobiliárias), mas sua força e relevância guardam sintonia com a configuração
em conjunto."Nada disso foi observado. O promotor local de Meio Ambiente, Sr.
Sebastião Naves Filho foi até lá, mas desconheço qualquer medida tomada no sentido
de proteger o patrimônio, uma obrigação de todos nós. Como se não bastasse,
um dos prédios, justo a oficina Diesel, (que era a antiga Oficina Vapor), está
sendo usado como depósito de pneus inservíveis. É um prédio tombado pelo Estado
e pelo Município. Incansavelmente já pedimos, alertamos e recorremos às promotorias
ajuda para a resolução do problema. Entretanto, os pneus estão lá, numa quantidade
imensa. Fotos em anexo podem comprovar. Eles estão amontoados sobre um vagão
(carro de madeira), também tombado. É o único carro de madeira que sobrou em
Araguari. Uma eventual fagulha ou mesmo um toco de cigarro poderá destruir vagão,
oficina e pneus de forma que nenhum corpo de bombeiros conseguirá dar jeito.
É uma tragédia anunciada e todos somos responsáveis por evitá-la. Essa semana
mais um capítulo dessa novela foi iniciado. O mesmo secretário de Obras começou
a destruir o pátio completamente. Quase a totalidade dos trilhos foi soterrada.
Os AMVs (Aparelhos de Mudança de Via) foram destruídos, soterrados, desaparecidos
ou furtados. Mesmo a futura reposição deles não sanará o prejuízo, porque AQUELES
é que são os que sempre estavam lá, são parte da Estrada de Ferro Goyaz. É como
se roubassem uma imagem sacra de uma igreja e depois quisessem substituir por
outra, de outro local.A destruição é grande, bem maior do que a abertura da
rua anterior. É a linha em laranja, do referido Mapa do Pátio da EFG, em anexo.
É uma região onde todas as muitas linhas do complexo ferroviário se convergem.
Cada metro quadrado há várias linhas. Estão sendo destruídas ESSA SEMANA.O Conselho
Deliberativo Municipal do Patrimônio Histórico não foi ouvido de novo. Não temos
autoridade nenhuma, parece que nem mesmo com as promotorias. O prejuízo está
feito. Não foi por falta de aviso. Porém ele só tende a aumentar, já que esse
aterramento está virando uma avenida e mais bens do complexo irão desaparecer
e as pressões para a abertura de novas ruas já começou.A lei nos parece tão
clara, mas não compreendemos porque ela é tão difícil de ser ouvida. Mesmo que
a população não se atine do prejuízo que sofre, entendo que ainda assim é legítimo
que lutemos por ela. Pode até ser que a destruição continue, mas pelo menos
não será com a minha anuência. O que nos desaponta é saber que tudo isso poderia
ter sido evitado há tempos. A Divisão de Patrimônio Histórico da cidade já reunia
documentação para ingressar com pedido de Tombamento Federal, porém imagino
que agora tudo isso ficará bastante dificultoso. Por tudo o que foi descrito
acima solicitamos ao Ministério Público: 1) que seja instaurado um processo
criminal urgente, pedindo a condenação dos responsáveis, que vem ignorando qualquer
recomendação em relação aos patrimônios históricos há tempos.Que sejam efetuadas
as multas como constam nos dossiês de tombamento. Elas podem ser revertidas
para a agilização do Projeto de Passeio Ferroviário, para o qual já foram gastos
mais de 120 mil reais na recuperação de duas locomotivas e um vagão de aço-carbono
do 2º Batalhão Ferroviário pela gestão municipal anterior, projeto engavetado
pela adminstração atual. Os trilhos que seriam usados no projeto são justo esses
que agora são destruídos.A estação Stevenson Velha, a última da Mogiana neste
município também está ruindo, apesar de que o governo federal (via Ministério
do Turismo) liberou quase 500 mil reais para essa recuperação há anos. O prazo
para a aplicação da referida verba já venceu e foi renovado algumas vezes. A
última vai vencer no dia 30 do mês corrente. 2)que intervenha junto ao IEPHA,
solicitando a correção do perímetro de tombamento, que não incluiu uma fração
do pátio (área roxa do Mapa do Pátio da EFG, em anexo), sem motivos aparentes
para ter sido desmembrado. A área reconhecida pelo IEPHA é a poligonal formada
pelos pontos P01-P06, área branca do referido documento. Essa parte que está
em roxo, que permanece fora do perímetro de tombamento e mesmo de entorno, será
cada vez mais objetos de disputas, o que nos economizará tempo e discussões
futuras se for definitivamente incluída no perímetro de tombamento, como deve
ser. As duas áreas são contínuas (são uma área só), e têm a mesma propriedade.
São o objeto do tombamento e como tal, devem estar DENTRO do perímetro de tombamento.
3) Que a referida rua, (a parte em amarelo) prolongamento da rua Luis Schinoor
seja definitivamente fechada ao tráfego rodoviário. Ela é o pivô de toda a ocupação
descaracterizante do pátio ferroviário. Ela poderá, se os estudos indicarem,
que seja aberta ao tráfego de pedestres e ciclistas. Luis Schinoor, ministro
da viação, trabalhou nas ferrovias mais difíceis do Brasil e hoje é tristemente
irônico que o seu nome esteja numa rua que destrua os trilhos. 4) Que os pneus
inservíveis sejam urgente e definitivamente, removidos do atual prédio histórico
para um local devidamente preparado para isso. 5) Que os trilhos sejam recuperados,
os aterros sejam removidos e a possibilidade viária seja reestabelecida, devolvendo
o maior bem histórico de Araguari. 6) Que não se faça mais alterações na referida
área sem a devida e necessária anuência do Conselho Deliberativo Municipal de
Patrimônio Histórico de Araguari e pelo IEPHA-MG simultaneamente. Me coloco
à disposição para eventuais esclarecimentos. Esta correspondência seguirá para
a Promotoria Estadual do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais, para
a Promotoria Federal de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural e outra autoridades.
Glaucio Henrique Chaves,Cidadão de Araguari, estudante de arquitetura e urbanismo,
Membro do Conselho Deliberativo do Patrimônio Histórico de Araguari e estudioso
da Estrada de Ferro Goyaz, bisneto, neto e filho de ferroviários.
Artigo da revista Vitruvius: : http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/10.120/3485
Jornal Correio de Araguari, apocrifamente considerado Diário oficial do município,
vide último parágrafo, sobre Patrimônio Histórico: http://www.correiodearaguari.com/correio/index.php?option=com_content&task=view&id=2239&Itemid=37
"Prefeitura tem R$ 487.500,00 para a Reforma da Stevenson" - http://www.correiodearaguari.com/correio/index.php?option=com_content&task=view&id=1895
Abertura da rua Luis Schnoor - http://www.correiodearaguari.com/correio/index.php?option=com_content&task=view&id=2307&Itemid=44